É muito comum, dada a onda de pessimismo e a nuvem de pouca reflexão que paira sobre o Brasil, alguém questionar a validade/utilidade dos Direitos Humanos já que ele "só defende bandidos" - no entanto, temos a obrigação de afastar essa nuvem que ofusca o sentido das coisas e deixar o sol do significado das coisas brilhar!
A primeira coisa é responder é: por que precisamos dos Direitos Humanos? E para responder isso, precisamos responder outra importante questão: como surgiu essa necessidade?
Gosto de começar assuntos dessa natureza - sobre o surgimento de um Direito - sempre citando Norberto Bobbio quando este dizia que "nenhum Direito é dado, mas conquistado". E aí, então, já temos a compreensão de que os Direitos Humanos, como todo direito, foi uma conquista social - fruto de bastante luta. Luta contra quem? Ora, contra o Estado absolutista, contra toda a máquina estatal que esmagava a sociedade e mantinha poderes ilimitados dos reis.
É muito importante que você não se esqueça disso:
“As revoluções liberais, inglesa, americana e francesa, e suas respectivas Declarações de Direitos marcaram a primeira clara afirmação histórica dos direitos humanos. A chamada “Revolução Inglesa” foi a mais precoce, pois tem como marcos a Petition of Right, de 1628 e o Bill of Rights, de 1689, que consagraram a supremacia do Parlamento e o império da lei.
Por sua vez, a “Revolução Americana” retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte, culminado em 1776, e a criação da primeira Constituição do mundo, a Constituição norte-americana de 1787. Várias causas concorreram para a independência norte-americana, sendo a defesa das liberdades públicas contra o absolutismo do rei uma das mais importantes, o que legitimou a emancipação.”
A luta pela legitimação dos Direitos Humanos não foi uma invenção - e continua não sendo - para cuidar de bandidos (também isso), mas para proteger toda a sociedade (acusado de bandido, bandido ou inocente) dos arbítrios do Poder Estatal.
Por que os Direitos Humanos no liga para as vtimas mas s pra os bandidos
A partir de uma brevíssima introdução de como surgiu a preocupação com os Direitos Humanos, avançamos para responder por que precisamos dele. E precisamos porque os Direitos Humanos é uma marca de que a sociedade não perdeu a humanidade. Sim, porque ninguém perde a humanidade nem mesmo em razão dos mais cruéis atos. E se a sociedade age cruelmente com os cruéis, torna-se cruel. E sair desse paradoxo é quase impossível.
É interessante o preâmbulo da Convenção Americana dos Direitos Humanos, pois ela diz
que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana.
Quando se diz que "os direitos essenciais do homem é atributo da pessoa humana", está dizendo que a dignidade da pessoa humana não pode jamais ser perdida - logo, jamais poderá ser tratado, pelo Estado, como se dignidade não tivesse. E é por essa razão que a própria Convenção Americana dos Direitos Humanos diz que
Art. 5.2 - Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
E também a Constituição Federal de 88
Art. 5, XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral
Todavia, mais do que assegurar aos presos o respeito à dignidade humana, os Direitos Humanos quer impedir que o Estado defina quem cometeu crime ou não sem o respectivo processo legal. Neste sentido, diz a CF/88
Art. 5, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Não é para proteger o bandido (também isso) que os Direitos Humanos existem, mas para proteger, também, todos os membros da sociedade de serem considerados bandidos em razão da arbitrariedade do Estado - já que, no tempo do absolutismo, o contraditório não poderia existir em razão do princípio the king can do no wrong - o Rei/Estado não pode errar.
Desse modo, eis pergunta que sempre surge: e por que os Direitos Humanos defende o bandido, mas não defende o policial morto?
Essa pergunta precisa ser respondida com calma. Quem é o policial? Um agente do Estado! Logo, se cometeu alguma arbitrariedade, cometeu como representante do Estado - e como já explicamos que os Direitos Humanos luta contra as arbitrariedades do Estado, fica evidente que deve-se lutar contra as arbitrariedades do agente policial.
Mas os Direitos Humanos vai abandonar o policial? Não! Deve os Direitos Humanos garantir e proteger a pessoa do policial, o ser que responderá o processo, a fim de que ele tenha um julgamento justo e que seja inocentado, caso não tenha tido culpa no evento ou condenado, na medida da sua culpa.
Os Direitos Humanos não entra em guerra contra a pessoa do policial, mas contra o seu ato enquanto a gente do Estado. Novamente, embora seja cansativo sempre dizer: é contra as arbitrariedades do Estado que os Diretos Humanos labuta.
E por que os Direitos Humanos não fala da vítima? Fala, sim, mas a priori, como a vítima não foi uma vítima das arbitrariedades do Estado, "não é" objeto de preocupação dos Direitos Humanos. Quem deve cuidar da vítima é uma Assistência Social - que geralmente faz parte de uma secretaria dos Direitos Humanos. Primeiro garante-se ao acusado um julgamento justo, depois cuida-se do problema da vítima.
Por que os Direitos Humanos no liga para as vtimas mas s pra os bandidos
Mas o ordenamento jurídico de nosso país não abandonou a vítima. Sim, já é pacificado na jurisprudência que a condenação de um assassino a prisão não o isenta de indenizar os familiares da vítima pelos danos causados.
Segundo o artigo 387 do Código de Processo Penal
O juiz, ao proferir sentença condenatória
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Não é outro o entendimento do Código Civil quando afirma
Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
Desde modo, a família não fica desamparada pelo ordenamento jurídico, mas só não vê esta ênfase porque, como já explicado ao longo desse artigo- repetindo pela última vez: os Direitos Humanos se preocupa com as arbitrariedades ou desmandos do Estado.
E quando os Direitos Humanos vai atuar em defesa da vítima de algum crime? A Constituição Federal diz no Art. 245 que
A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito.
Sendo assim, sempre que algum parente de uma vítima de homicídio doloso não tiver obtendo do Estado a devida assistência, os Direitos Humanos deve atuar para fazer cumprir esse direito. E fazem isso? Fazem! A gente só não sabe porque geralmente as coisas boas a mídia não conta. É que você só vê a parte que os Direitos Humanos grita contra as prisões ilegais no país.
Neste sentido, se a gente for levar a sério o que cada coisa significa, qual o papel de cada coisa e qual o seu devido lugar, fica fácil compreender por que, aparentemente, os Direitos Humanos "só defende bandido". Mas é só aparentemente, porque, na prática, o que mais defende é inocente acusado de algum crime ou culpado por algum crime que não está cumprindo a pena devida.
Cada macaco no seu galho, cada conceito definido, cada função exercida como deve ser - e assim teremos uma democracia plena.
Fonte:wagnerfrancesco.jusbrasil
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