Mais de cinco meses depois de ultrapassar todos os limites do ultraje e legitimar a figura do
deputado-presidiário no Brasil, a Câmara cassou na noite desta quarta-feira o mandato de Natan Donadon (RO), que cumpre pena no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. No total, 467 deputados votaram pela perda do mandato e nenhum contra – eram necessários, no mínimo, 257 votos para a cassação. Houve uma abstenção, do deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA).
Em agosto do ano passado, Donadon havia escapado da perda de mandato porque o número mínimo de votos necessários para a cassação não foi alcançado. Foram 233 votos a favor, 131 contra e 41 abstenções. O alto número de ausências (108 de 513 parlamentares simplesmente não votaram) também contribuiu para o vexame.
Um fator foi determinante para que o vexame do ano passado não se repetisse nesta quarta: pela primeira vez, uma votação de cassação de mandato foi aberta – ou seja, desta vez os parlamentares registraram seus votos no painel eletrônico. Em ano eleitoral, a maioria da Casa não quis arriscar enfrentar o desgaste de proteger abertamente o ex-colega de plenário.
Donadon mais uma vez expôs o Congresso ao ridículo: chegou algemado em um carro da polícia e circulou pela Câmara vestindo uniforme branco de presidiário. Escoltado por agentes da Polícia Legislativa, foi levado para uma sala onde teve acesso a um terno levado por sua mulher. Depois, recebeu o broche de deputado, usado na lapela do paletó para identificar parlamentares, e seguiu para o plenário pela última vez. Funcionários e seguranças da Casa cumprimentaram o deputado-presidiário.
“Estou muito aborrecido que quebraram a Constituição e iniciou-se uma nova ação com o voto aberto, quebrando a regra do jogo. O voto aberto serve simplesmente para massacrar minha pessoa e minha família”, afirmou Donadon a jornalistas, carregando a Constituição Federal e o regimento interno da Casa embaixo do braço. No plenário, enquanto a imprensa acompanhava cada passo de Donadon, seu colegas parlamentares evitaram se aproximar: “Não fica perto que pode pegar mal”, avisou um deputado de Pernambuco a seu correligionário, com medo de aparecer nas fotos. O petista Cândido Vaccarezza (SP) foi um dos poucos a abraçar o rondoniense.
Embora tenha manifestado a intenção de discursar pela última vez na tribuna da Casa, Donadon acatou a sugestão de alguns deputados e evitou falar ao microfone. Ele permaneceu no plenário por poucos minutos e deixou a Câmara logo após seu advogado, Michel Saliba, ter apresentado a defesa – sem sequer ver sua cassação ser proclamada.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, classificou a decisão dos deputados como uma “volta à realidade”. “Foi uma noite constrangedora, mas essa Casa teve que fazê-lo e cumpriu o seu dever honrando a primeira votação com o voto aberto nas questões de perda de mandato parlamentar”, disse, ao fim da votação. Alves empossou o suplente Amir Lando (PMDB-RO), convocado após a sessão que absolveu o mandato de Donadon, em agosto, como deputado titular.
Em junho do ano passado, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a expedição do mandado de prisão contra o parlamentar. Era ainda o primeiro caso em que um deputado no exercício do mandato tinha a prisão determinada pelo STF desde 1988. Em 2010, o agora ex-deputado foi condenado à pena de treze anos, quatro meses e dez dias de reclusão pelos crimes de formação de quadrilha e peculato – foi considerado culpado pelo desvio de 8,4 milhões de reais da Assembleia Legislativa de Ronônia.
Donadon foi o 18º deputado a ter o mandato cassado pela Câmara desde a Constituição de 1988 – o último foi o mensaleiro Pedro Corrêa (PP-PE), que recentemente também esteve preso na Papuda, em 2006.
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