segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Crack avança em silêncio em Rondônia

Dolores, agricultora, 58 anos, mora em uma comunidade nas margens do rio Marmelo, no município de Humaitá, estado do Amazonas, e descobriu no Centro de Referência de Prevenção e Atenção à Dependência Química (Ceprad), em Porto Velho, uma saída para o “desespero” que a família está vivendo, com o envolvimento com o crack de um dos 11 filhos, de 28 anos. “Antes ele ajudava em casa.Hoje, tira até das crianças para alimentar o vício”. Cozinheiro, o rapaz era trabalhador e sustentava a mulher e seis filhos, dois do primeiro casamento dela. Hoje, ele vende tudo que encontra em casa, não escapa nem o iogurte e as bolachas dos filhos, relata Dolores. O problema da agricultora se repete com milhares de famílias em Rondônia, mas é invisível, porque os usuários de drogas estão dentro de casa, trabalham e vivem com a família, ao contrário de outros estados, onde as cracolândias deixam à mostra as nefastas consequências dos entorpecentes, principalmente o crack, considerada como uma droga devastadora. “Esta invisibilidade dá a impressão de que o problema não existe aqui, mas as drogas estão presentes e é necessário o engajamento de todos para enfrentar a dependência”, considera a titular da Secretaria Estadual de Promoção da Paz, Maria da Penha, criada especificamente com este fim.

O Cloridato de cocaína, misturado com bicarbonato de sódio, amônia e até soda cáustica, forma a base de substâncias do crack. A droga é inalada e, por isso, entra rapidamente na circulação sanguínea. A absorção é muito rápida, num curto período de 3 a 5 segundos o usuário sente a sua “potência”, mas na mesma rapidez com que o efeito da droga se manifesta, ele cessa, deixando a sensação de “quero mais”, conhecida como fissura, que leva a pessoa a se viciar rapidamente, ao ponto de largar tudo e só viver para o consumo do entorpecente. As informações são da médica do Centro de Atendimento Psicossocial Especializado em Álcool e Drogas – CAPS-AD – de Porto Velho, Brysa Soares.

Uma vida dedicada ao crack

Paulo (nome fictício), de 28 anos, há um ano e meio se dedica inteiramente ao crack. Na última sexta-feira, ele se encontrava no antigo prédio da Câmara Municipal de Porto Velho, que virou ponto de consumo no centro da cidade. Ele conta que começou a usar drogas aos 12 anos, bebeu, fumou e cheirou, mas o encontro com o crack foi um ponto divisor da vida. O rapaz mostra os documentos em que aparece com uma aparência bem diferente da de hoje. Já foi jardineiro e armador e tinha um emprego, quando a polícia descobriu o revólver de um criminoso na sua casa. Ficou um ano e sete meses preso e foi abandonado pela mulher. Hoje, muito magro, amarelado, vestindo bermuda e camiseta e calçando sandália, vive para sustentar o vício. Na última sexta-feira, às 10h da manhã, ele já havia fumado três pedras e estava na rua para “batalhar mais uma grana e comprar mais droga”.

O jovem não acredita mais que haja uma saída. “Às vezes, fico dois, três dias sem fumar, mas daí me dá um desespero, uma neurose, que só passa quando eu uso a droga novamente”, relata. Embora tenha vontade de “sair” do vício, não acredita que possa encontrar ajuda externa. “Eu sei que tudo depende de mim, mas não estou tendo força”.

Ex-dependente

A reportagem do Diádio encontrou na antiga Câmara outro jovem, João (nome fictício), de 26 anos, ex- usuário, que hoje frequenta o local para levar uma força para os dependentes. Ele conta que abandonou as drogas há quatro anos, porque a filha, hoje com 12 anos, pediu que ele não usasse entorpecentes. João fumava maconha e cigarros de nicotina.

O ex-dependende admite que estas são drogas mais fáceis de serem vencidas, porque não têm o poder viciante da cocaína e do crack, que provocam dependência química, mas mesmo assim afirma que “dá para sair do vício”. Para ele, há a necessidade de aumentar o número de agentes do governo encarregados de buscar os dependentes. “Se houver este apoio, acredito que muitos vão aderir ao tratamento”, afirma.

Pesquisa aponta 380 mil usuários no Brasil

A chegada devastadora do crack no Brasil e a rápida disseminação da droga, em todas as regiões do país, por pessoas de todas as classes sociais, no campo e nas cidades, mais o surgimento das cracolândias em grandes aglomerados urbanos, acenderam a luz vermelha para o perigo. Com isso, o Governo Federal criou a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ligado à Presidência da República, e o programa “Crack, é Possível Vencer”, que apoia ações de enfrentamento da droga de prefeituras e estados.

Recentemente divulgada, uma pesquisa realizada pela Senad, Ministério da Justiça e Fundação Osvaldo Cruz, revelou a existência de 380 mil usuários de crack nas 26 capitais brasileiras.

A pequisa também apontou que 8,6% desses usuários estão distribuídos na região Norte do Brasil. A titular da Secretaria de Promoção da Paz, Maria da Penha, participou do lançamento da pesquisa e afirma que os dados ainda precisam ser analisados, mas já revelam um quadro preocupante.

Em Rondônia, a Secretaria Estadual de Promoção da Paz inaugurou, há menos de dois meses, o Centro de Referência de Atenção e Prevenção da Dependência Química (Ceprad). O órgão funciona na antiga sede do hospital infantil Cosme e Damião, na avenida Rafael Vaz e Silva, bairro Liberdade, e desde a inauguração prestou 401 atendimentos. No Centro, as pessoas recebem orientação sobre o tratamento e são feitos os encaminhamentos necessários. A maior parte das pessoas que buscaram ajuda no local são familiares de dependentes, com destaque para as mães.

Além de informações, o órgão promove a Terapia Comunitária Integral, “uma técnica de tratamento que inclui toda a família, a qual precisa enfrentar a doença, assim como os amigos e vizinhos”, considera Maria da Paz. A técnica é aplicada por meio de reuniões, onde os envolvidos no problema têm a oportunidade de trocar experiências e apoio.

Prefeitura adere a programa

A Prefeitura de Porto Velho reativou recentemente o Comitê Gestor Municipal de Enfrentamento às Drogas e o Conselho Municipal Antidrogas (Comad) e com isso consolidou a inclusão do município no programa federal “Crack, É Possível Vencer”. Com a adesão, o município passa a receber recursos para os três eixos fundamentais do Programa, que são as áreas de saúde, assistência social e segurança. “Estamos adquirindo duas unidades móveis com 20 câmeras em cada uma, duas motos e um carro para realizar o monitoramento das áreas tidas como concentradoras de usuários do crack e outras drogas. As ações serão interligadas, de forma que o policial deve fazer a abordagem e servidores das secretarias municipais de Assistência Social (Semas) e da Saúde (Semusa), devidamente treinados, vão encaminhar os casos de acordo com as necessidades específicas”, explicou o vice-prefeito Dalton Di Franco.

O Programa, segundo Liliana Cláudia, coordenadora do departamento de Captação de Recursos do Programa, vai funcionar com polos que atuarão junto aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps I, Caps II e Caps 24 horas), da Semusa, e dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas e Creas POP), da Semas. “Serão construídas áreas anexas nesses locais para funcionamento exclusivo do Programa, tal como já está ocorrendo no Caps que está sendo construído na avenida Guaporé. O Programa vai se integralizar com esses espaços, porque não queremos isolar o dependente da sociedade. Além disso, haverá equipes de abordagem de rua, para saber se os casos são de internação ou apenas de monitoramento”., disse.

Bolsas para internação de dependentes

A Secretaria Nacional de Enfrentamento às Drogas (Senad) disponibiliza bolsas de internação de dependentes para estados e municípios. Para Rondônia, foram disponibilizadas 150 bolsas. No estado, diversas comunidades terapêuticas oferecem acolhimento e internação de dependentes. Estas entidades terão que primeiro responder a um edital para poder receber os dependentes químicos e os recursos das bolsas. Nestes editais, as entidades deverão mostrar que têm condições de acolher estes pacientes.

A secretária de Promoção da Paz, Maria da Penha, informa que as unidades de saúde convencionais deveriam dispor de leitos para internação de dependentes em surto, mas isso não ocorre em Rondônia. O governo tem o projeto de criar estes leitos junto à Psiquiatria do Hospital de Base, mas a medida ainda depende de uma reformulação da Psiquiatria, que abriga pacientes abandonados pelas famílias durante anos e até décadas.

Dependência química é uma doença crônica

A médica especialista em dependência química Brysa Soares, do CAPS-AD de Porto Velho, ressalta que a dependência química é um problema crônico, que pode ser comparado ao diabetes ou à pressão alta, que o paciente pode controlar com medicamentos. Da mesma forma, o dependente químico precisa estar atento para manter a abstinência, porque no primeiro vacilo, o problema poderá retornar. “Por isso é importante que haja uma vigilância constante, do próprio doente, da família e dos amigos”.

A nova política de enfrentamento ao uso de drogas adotada no país, prevê o fortalecimento da rede de atendimento, que é formada pelos Centros de Atendimento Psicossocial, clínicas especializadas e comunidades terapêuticas. Mas a velha prática de internação dos pacientes ainda paira como a melhor solução para o caso. A lei prevê, inclusive, a internação involuntária, que é feita à revelia da vontade do dependente. “Mas esta medida só é tomada em última instância, quando todos os outros recursos já foram utilizados”, diz a secretária de Promoção da Paz, Maria da Penha.

Por lei, cabe aos estados a adoção de políticas de enfrentamento às drogas e a supervisão e apoio às ações, que estão a cargo das prefeituras. Em Rondônia, além da Secretaria de Promoção da Paz, foi criado o Centro de Referência de Prevenção e Atenção à Dependência Química (Ceprad) de Porto Velho e o governo pretende iniciar, em março do ano que vem, a construção dos Ceprads de Ariquemes, Cacoal e Vilhena.

Rondônia conta com 20 Centros de Atendimento Psicossocial, que oferecem atendimento ambulatorial para os dependentes e também fazem um trabalho de apoio e orientação para pessoas envolvidas com os pacientes. Porto Velho possui quatro CAPs, sendo um voltado para o atendimento de crianças e adolescentes – o CAPS-I – e outro dedicado ao enfrentamento de álcool e outras drogas – o CAPS- AD.Os CAPS podem ser do tipo 1 e 2, sendo que o primeiro possui um psiquiatra e equipes de saúde mais complexas. Os municípios de Ariquemes, Cacoal, Ji-Paraná e Vilhena contam com CAPS-1.

Locais de concentração de usuários

A Prefeitura está empenhada em desencadear os serviços de prevenção e assistência, porque a repressão pertence ao trabalho do estado, por meio da polícia. “Estaremos recebendo nos próximos dias a assistência necessária do Governo Federal para fazer essas intervenções em locais de concentração de usuários de drogas. Alguns locais da cidade, como na antiga Câmara Municipal e na Rua Paulo Leal, entre Brasília e Getúlio Vargas, vemos grande concentração de usuários e precisamos logo agir nesses pontos, como é também o caso da Praça Madeira-Mamoré. Vamos agir de forma assistencial, mas isso, conforme pensam algumas pessoas, não pode ser visto como uma maneira de se tornar conivente com o problema. Trata-se de um enfrentamento com a proposição de recuperação. Estaremos encaminhando alguns para internações, a outros daremos passagens para que possam retornar às suas cidades de origem, a outros estaremos colaborando com a aquisição de medicamentos, enfim, nosso trabalho não é o de reprimir, mas o de oferecer assistência”, informou Dalton Di Franco. (AI)

Plano de trabalho ficará pronto em dezembro

Segundo Eduardo Rauen, secretário adjunto da Semdestur, que faz parte do Comitê, o Programa está adentrando a fase de execução, tendo sido ultrapassadas as etapas de elaboração de planos e de análises. “Tudo está ainda muito recente, nossa documentação está quase toda organizada e estamos implementando acordos com outros setores do Governo Municipal e programando as campanhas de prevenções. O Comitê Gestor deve finalizar a elaboração do plano de trabalho até dezembro”, disse ele.

Segundo o Ministério da Justiça, na estrutura do Programa devem existir os comitês e conselhos nas três esferas governamentais. Os conselhos são formados por órgãos institucionais, comunidades terapêuticas e entidades que atuem com repressão, prevenção ou tratamentos aos problemas derivados do crack e outras drogas. Os comitês são formados por estruturas governamentais e devem atuar executivamente.

TEXTO: Ana Aranda FOTOS: Gilmar de jesus e Roni de carvalho/Diário da Amazônia
Fonte: Diariodaamazonia

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