A condecoração com a Medalha da Inconfidência concedida pelo Governo do Estado de Minas Gerais ao presidente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, gerou muitas críticas na imprensa, representantes da sociedade civil e intelectuais da sociedade mineira. O fato causou reação até de quem foi contemplado com a honraria, como é o caso do magistrado rondoniense Mozart Hamilton Bueno. Como protesto, o juiz aposentado devolveu a medalha, o diploma e a passadeira - recebidos na década de 80 - ao gabinete do governador Fernando Pimentel.
“A condecoração tem que ser dada às pessoas que prestaram serviços relevantes ao estado e ao Brasil e esse cidadão (Stédile) em nenhum momento prestou qualquer serviço à sociedade mineira e ao país. Por isso resolvi devolver a medalha ao governador. O MST é um movimento juridicamente inexistente”, pontuou o juiz inativo que demonstra decepção pela homenagem concedida ao militante.
João Pedro Stédile recebeu a Medalha da Inconfidência na última terça-feira (21), na ocasião muita gente foi às ruas protestar contra a seleção das pessoas homenageadas pelo Governador de Minas Gerais. “Os homenageados foram escolhidos por meio de um conselho formado por representantes das entidades civis, professores, pesquisadores, historiadores, juristas e outros representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário”, justificou à imprensa o governador mineiro.
Deputados estaduais de Minas também questionam a homenagem feita ao presidente do MST e protocolaram na tarde da última quarta-feira (22) um projeto de resolução sustando os efeitos do ato do Executivo que concedeu a medalha a João Pedro Stédile. O líder do bloco da oposição, Gustavo Corrêa (DEM) chegou a afirmar que o cidadão agraciado com a honraria jamais prestou serviços relevantes a economia, ou a cultura do estado como prevê a lei. Alguns parlamentares também ressaltaram que a escolha dos homenageados desse ano foi pautada pelo apadrinhamento político de pessoas com reputação duvidosa.
“No Brasil atual em que a corrupção endêmica é a tônica do noticiário, em que a mediocridade se sobrepõe à criatividade; a esperteza à honestidade; a incompetência à capacidade e o corporativismo partidário aos interesses maiores da nação, sinto quão imerecida se apresenta essa condecoração”, afirma com decepção o magistrado rondoniense em carta endereçada ao governador mineiro.
Mozart Hamilton Bueno
Antes de ingressar na magistratura, Mozart Bueno foi Diretor por sete anos do Colégio Tiradentes da Polícia Militar na cidade natal de Barbacena-MG. Enquanto geriu a escola, colaborou para transformação na educação dos estudantes em parceria com uma equipe de especialistas, professores e corpo administrativo do colégio. O ato foi reconhecido pela Secretaria de Educação de Minas Gerais que classificou a instituição de ensino como padrão e modelo a ser seguido pelas demais escolas públicas.
Outra parceria de sucesso foi realizada com o chefe do estado maior da PM/MG, Coronel Walter Rachid Bittar e com o ex-secretário de Obras de Minas Gerais, Chrispim Jacques Bias Fortes. A união dos trabalhos resultou na edificação do novo prédio do Educandário com estrutura administrativa remodelada e a implantação do Serviço de Supervisão Pedagógica.
Os 28 anos de serviço prestados à corporação - desligados por ter sido aprovado em concurso público de ingresso na carreira da magistratura em Rondônia - foram suficientes para o juiz inativo Mozart Bueno ser agraciado com a Medalha da Inconfidência em 1982, recebendo a honraria das mãos do ex-governador Francelino Pereira dos Santos e do ex-comandante geral da PM/MG, Coronel Jair Cançado Coutinho.
A honraria
A Medalha da Inconfidência é a mais alta comenda concedida pelo governo de Minas Gerais e atribuída a personalidades que contribuíram para o prestígio e a projeção da sociedade mineira. A solenidade acontece anualmente, no dia 21 de abril, quando é comemorado o feriado de Tiradentes. Nessa data a capital mineira é transferida simbolicamente de Belo Horizonte para a cidade histórica de Ouro Preto. A honraria foi criada pelo ex-governador Juscelino Kubitschek e entregue com quatro designações: Grande Colar (Comenda Extraordinária), Grande Medalha, Medalha de Honra e Medalha da Inconfidência.
A Carta
Confira na íntegra a carta escrita pelo magistrado rondoniense, Mozart Bueno endereçada ao governador do estado de Minas Gerais:
Excelentíssimo Senhor
Fernando Pimentel
DD. Governador do Estado de Minas Gerais
"Minas Gerais não aceita a paz morna da submissão"
(Governador Itamar Franco)
Senhor Governador.
No ano de l982 fui agraciado pelo Governo do meu estado com a Medalha da Inconfidência.
Era então, Diretor do Colégio Tiradentes da Policia Militar sediado em Barbacena e Comandante Geral da mesma Corporação o Coronel PM Jair Cançado Coutinho sendo Governador do Estado o Dr. Francelino Pereira dos Santos.
Por indicação daquele Comandante fui agraciado pelo Governador com esta comenda pelos "relevantes serviços prestados" à gloriosa Polícia Militar e ao seu sistema de ensino.
Não sei se tão relevantes foram esses serviços, mas afirmo que durante os sete anos em que dirigi o referido Colégio entreguei-me de corpo de alma à missão e o fiz despontar, coadjuvado por excelente equipe de Especialistas, Professores e Corpo Administrativo, como Padrão em Minas Gerais, segundo avaliação da Secretaria de Educação, e, sem qualquer dúvida, o melhor de Barbacena.
Cheguei à direção daquele Colégio através de uma caminhada pelas fileiras da Corporação, na qual me alistei, em 1.954, com treze anos de idade, como aluno da Escola de Formação Musical do 9º Batalhão, escola essa criada pelo Governador Juscelino Kubitscheck. Nessa caminhada e graças à PMMG logrei alcançar dois cursos superiores, conquistar o primeiro lugar no Estado no Concurso Público para a Cadeira de História, patrocinado pela Corporação e, em seguida, ser nomeado Diretor do referido estabelecimento.
Com dedicação e apoio do saudoso Coronel Walter Rachid Bittar, Chefe do Estado Maior da PMMG e do não menos saudoso Dr. Chrispim Jacques Bias Fortes Secretário de Obras do Estado, edificamos o novo prédio do Educandário, remodelamos a sua administração e implantamos o Serviço de Supervisão Pedagógica.
Foram vinte e oito (28) anos vividos no seio da Corporação, da qual me desliguei para encetar carreira na Magistratura do Estado de Rondônia.
Reconheço, sinceramente, que a comenda a mim conferida, ultrapassa, e muito, os meus méritos, se é que os tenho, mas a recebi com orgulho e a consciência tranquila de quem tudo fez em prol da educação mineira e em especial da juventude barbacenense.
Hoje, assisto no noticiário haver Vossa Excelência conferido igual comenda a um tal Stédile, de quem ouço falar como invasor de propriedades alheias, de incentivador da desobediência civil, da liderança de insurrectos e como comandante de um exército ilegal e nocivo à segurança nacional.
Respeito a escolha de Vossa Excelência por essa atitude, mas me recuso ao nivelamento a que estão submetidos os nomes de grandes brasileiros que também foram distinguidos pelos governadores que lhe antecederam.
No Brasil atual em que a corrupção endêmica é a tônica do noticiário, em que a mediocridade se sobrepõe à criatividade; a esperteza à honestidade, a incompetência à capacidade e o corporativismo partidário aos interesses maiores na nação, sinto quão imerecida se apresenta essa condecoração, eis que grandes nomes do cenário nacional, em todas as áreas da atividade, são ignorados neste momento pelos governantes de plantão.
Prefiro tê-la merecido sem ostentá-la que dividi-la com quem nada fez em prol do Brasil, da ordem pública e muito menos por Minas Gerais onde é ilustre desconhecido.
Nesta oportunidade peço desculpas ao ilustre Coronel PM Jair Cançado Coutinho e ao Governador Francelino Pereira dos Santos por esta atitude, afirmando, contudo que maior que a comenda que me concederam é a gratidão que por eles guardo no recôndito do meu coração.
Não me julgo superior a esse senhor Stédile, mas a minha modesta biografia, a minha devoção ao meu Estado natal, -berço e sacrário da nossa liberdade- recomendam-me não aceitar esse nivelamento, razão pela qual e por imperativo da minha formação cívica, renuncio ao galardão, com pesar, é verdade, mas convicto de que faço o que dita minha consciência.
A medalha, a passadeira e o respectivo Diploma seguem endereçadas ao Cerimonial do seu governo, via SEDEX com aviso de recebimento.